Bom dia, queridos...
Como prometi, hoje vou contar mais um pouquinho da minha experiência nos dias passados no Hospital São Vicente...
Quando me dei conta que não teria escolha e precisaria render meu pai no hospital todos os dias até que a Didade tivesse alta, tive medo. Sempre fui muito fraca. Se via alguém vomitando, vomitava junto... ver tirar sangue, dar injeção, nem em sonho... aquela história de sonda, então, Deus, que aflição sem fim...
Pois bem... na manhã de 10 de agosto, orei, orei e orei... Pedi ajuda aos amigos queridos... pedi orações... tinha medo de não conseguir, de não dar conta, de piorar o que já estava ruim com o meu pouco jeito no ambiente hospitalar... Meu pai, pelo contrário, sempre agia como se o hospital fosse seu lugar... Ajudava a Didade (como ajudou minha avó, anos atrás) e todos os doentes dos leitos e quartos vizinhos...
Me enchi de coragem e fui... Não foi fácil vê-la quieta, ou tentando em vão falar...
Mas Deus colocou no meu caminho um anjo que facilitou meu dia e me ajudou a passar por ele... O Ramon, enfermeiro que cuidaria da Didade aquele dia... Contei a ele meus medos e preocupações, mas disse que estava ali para ajudar... e ele prometeu que me ajudaria...
Logo cedo já o ajudei a dar banho nela... como nos entendemos muito bem, me ofereci prá ajudar no banho de uma outra senhora... Dona Maria, 88 anos... Também internada com um AVC, estava sem acompanhante e sem visita desde sua internação 3 dias antes... Magrinha, cabelinho liso e bem branquinho... gemia dia e noite sem parar... Seu gemido parecia vir da alma... me disseram que ela estava inconsciente, mas eu achava que toda aquela dor era solidão...
O Ramon aceitou minha ajuda pro banho da dona Maria e então eu tive a primeira e talvez maior lição de todas... Conforme a descobríamos, encontrávamos escaras imensas e num estado muito avançado... As piores estavam escondidas sob ataduras e à medida que removíamos as ataduras, por mais cuidadosos que fossemos, pedaços da carne da dona Maria saíam... E ela gritava de dor, pobrezinha... Foi assim que vi pela primeira vez seus lindos olhos verdes...
Começamos a dar banho nela, no leito, claro, e seus gemidos aumentavam a cada pouco que a movimentávamos... Minha alma parecia doer também... Todas as vezes que eu achava que iria sucumbir num misto de piedade e solidariedade, ouvia a voz doce do Ramon me mandando ser forte...
Por outro lado, eu conversava com ela... dizia a ela que aguentasse firme, que fosse forte e corajosa e que pedisse a Deus que mandasse o consolo prá toda aquela dor... Então fui segurar a mãozinha dela prá evitar que ela mexesse no acesso* que ficava em sua jugular e ela não soltou mais minha mão... Pouco depois, eu ri e disse a ela "sei o que a senhora está pensando, li seus pensamentos... a senhora está me mandando praquele lugar pois já não deve mais aguentar ser forte, não é?"... Deus do céu... nessa hora, ela riu e beijou minha mão... Ela estava consciente!!!! Meu Deus, aquela senhorinha frágil e cheia de dor estava consciente o tempo todo... Sua família a tinha abandonado apodrecendo em vida numa cama de hospital... família conhecida aqui em Jundiaí... gente de grana...
Logo conseguiram uma vaga num leito mais confortável prá ela, em outro quarto... e sempre que dava eu ia vê-la, ficava um pouquinho com ela... E ela sorria prá mim, apesar de toda aquela dor... O Ramon também esteve perto dela (e de mim) o tempo todo. Sempre que passava por mim, me abraçava e me elogiava dizendo que eu estava me saindo muito bem... Parece que o DNA do meu pai falou mais alto...
No dia seguinte ela foi prá internação propriamente dita, daí era mais difícil ir vê-la, pois a Didade ficava nervosa quando acordava e não me via... Começava a gritar e demorava para acalmá-la...
Na madrugada de sábado prá domingo, a Didade foi pro mesmo setor e meu pai foi visitá-la várias vezes durante a noite... mas quando cheguei no domingo, Papai do Céu já tinha tido misericórdia dela e a levado prá perto dEle... Eu agradeci... foi a primeira vez que eu agradeci a Deus pela morte... e não seria a única durante esse período...
Agradeci a Deus também pelo Ramon... Ele foi essencial nesse meu "batismo" de fogo... Colocou coragem, alegria e doçura nesse dia que foi um dos maiores desafios da minha vida...
Espero que tenha conseguido transmitir a vocês essa experiência e que através da minha vivência, possam ter também aprendido alguma lição...
Beijos açucarados ;ó)
*vou acabar usando diversos termos comuns no hospital e pretendo explicá-los no final do post... neste, apenas "acesso"... quando você é internado, os enfermeiros colocam um caninho em sua veia, por onde vai entrar soro e outras medicações... é bom, pois assim não é necessário ficar furando a pessoa toda hora... mas dá uma aflição danada...
Um comentário:
Foi um relato muito emocionante Tati, me encheu de lágrimas os olhos, e de pensar que há tantas pessoas como a D. Maria, abandonadas física e emocionalmente... Fico me perguntando como as famílias conseguem dormir ? E não é só cuidar quando estão doentes, mas quando estão sãos, porque de solidão sofrem até mais do que se estivessem doentes... Toda essa vivência já estava no seu caminho, e que bom que você conseguiu se transformar com ela... Como eu já havia dito a você, isso faz parte da sua missão... Bjs no seu coração
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